quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Esmola na Sé


Centro de São Paulo, 17 horas, mais precisamente na Praça da Sé. As pessoas nesta cidade tem a mania de andarem aos milhões sem perceberem nem mesmo quem está ao lado, em meio a este formigueiro de gente, pense em um mendigo tentando pedir esmola...

Vamos mais além. Imagine que por ser a praça que fica em frente a estação mais movimentada do metrô de São Paulo, este nobre morador de rua enfrenta a concorrência de pelo menos outros 300 na mesma situação que ele.

Alguns chamam a atenção:

Joquias por exemplo, vive pedindo esmola na Sé e imediações, sua abordagem é simples, direta e sincera:

- Ô dotô me dá uma moeda pra compra uma cachaça! (Impressionante a sinceridade dele, chega a me empolgar o fato de ainda existir uma pessoa tão sincera...)

Pois bem Joquias como você deve imaginar, não tem tanto sucesso com seus pedidos, mas vez ou outra um cachaceiro sensibilizado com o sofrimento do irmão de cana lhe dá alguma coisa para beber.

Outro exemplo incrível é o da dona Raimunda, que tem como público alvo senhoras de alta classe:

Ela vive com um cachorro (muito bonito, apesar de sujo) e aborda as pessoas da seguinte maneira:

- Ô moça, me dá um dinheiro para comprar de comer para o meu bichinho! (genial, 90% das pessoas medíocres sentem mais pena de um cachorrinho com fome do que de um ser humano).

Claro, dona Raimunda é a que mais arrecada, as vezes penso que ela já deve morar no Pacaembu, deva ser dona de uma frota de carros caros, tudo graças a abordagem com tática genial para pedir esmolas.

Tem também a dona Hanhanonamininihachicawa, uma índia de 1,25 m de altura que vive cercada com seus filhos (uns 20 indiozinhos, nenhum deles num pequeno bote), evidente que não obtém o mesmo sucesso de dona Raimunda:

- Ajuda eu moço, compra um colar, ou dá um dinheirinho... (Sério não consigo reproduzir o sotaque dela, também não sei se é índia, boliviana, paraguaia, ou uma mulher com cara de índia).

Sério dona Hanhanonamininihachicawa deve receber menos dinheiro até do que o cachaceiro... pelo que observei apenas as senhoras da igreja da Sé costumam dar comida para ela e os pequenos rebentos. Desculpe a injustiça, alguns hipes também dão alguma moeda.

Mas sem sombra de dúvidas o que mais me chamou a atenção foi o seu Malaquias (Não, ele não é um profeta, mas tem uma barba e cabelo dignos de um, além de andar com uma manta nas costas).

Malaquias muda todos os dias de abordagem, seu público alvo é... quem conseguir, mas um dia desses ninguém dava nada para ele, nem um tostão:

Sua revolta foi tanta que passou a gritar no meio da praça:

- Vocês são todos uns ingratos, eu sim tenho consciência social e sei dividir as coisas. Moro na maior casa do mundo e ainda deixo todos vocês entrarem!
Resultado... me senti culpado e dei dinheiro para aquele senhor que me empresta todos os dias a casa dele...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Homem do tempo


Certo dia Inácio encontrou o homem do tempo, mas não é aquele que prevê o tempo na televisão. É o homem que controla o tempo e o espaço... ele fica com a chave do relógio na mão e mexe os ponteiros como bem entende... Fazia tempo que Inácio queria acertar as contas com ele. Não teve dúvidas. Ao vê-lo apontou o dedo indicador antes de gritar:
- Ei, espera aí, meu amigo!
- Pois não?
- Há muito tempo quero lhe encontrar seu canalha!
- Como assim?
- Não se faça de desentendido, pode voltar no tempo e notar que sempre tento te pegar... Sempre te chamo de nomes nada agradáveis em pensamentos... Ah, mas agora eu te peguei, encontrei você! Queria muito lhe perguntar, o que você tem contra mim?
- Mas...
- Sem mais nem menos seu paspalho, estou perguntando qual o seu problema...
- Eu não tenho nada contra você e tenho que ir, estou com pressa...
- Pressa, pressa, pressa... Sempre que quero algo você está com pressa, parece brincadeira! E o pior de péssimo gosto!
- Como?
- Simples, nos momentos mais agradáveis da minha vida tudo passou de pressa, meus momentos de amor, de felicidade, meus finais de semana, minhas férias! Tudo, simplesmente todos os momentos felizes passaram rápido!
- Não foi bem assim.
- O pior meu camarada é que os momentos ruins, todos aqueles de dificuldade e esforço, ah esses demoraram uma eternidade! Como os dias que me machucava, que brigava, que trabalhava arduamente. Sim, os momentos de tristeza, de dor... Por que? Por que? Me responda seu idiota!
- Meu amigo, você está nervoso e me parece não ter sabedoria para perceber o óbvio.
- Hã? Isso é mais uma ironia do tempo?
- O tempo é o mesmo sempre. Tanto nos momentos felizes quanto nos momentos tristes. O problema é que o ser humano tem o dom de complicar tudo por si só... Nos momentos felizes de sua vida o tempo era exatamente o mesmo dos momentos tristes, a diferença era a sua percepção. O tempo só é percebido quando está no fim quando você está feliz. Já quando está triste, a única coisa que quer perceber é o final do tempo. Ou seja, sua ansiedade é o problema, não o passar do ponteiro!
- Mas e agora o que faço? Afinal como recuperar o que passou e gostei tanto, pode voltar uns ponteiros?
- Meu amigo você não precisa voltar no tempo, deixei um compacto dos melhores momentos no seu coração, a sua memória. Assim pode voltar no tempo quando quiser e lembrar que ninguém pode tirar de você o que está dentro de ti. O seu passado é só seu e somente você sabe o que passou para chegar aqui. Mas lembre-se ao pensar no passado, seu presente escorrerá sobre suas mãos, correrá o risco de seu futuro ser apenas um replay do seu passado. E isso é algo que nem mesmo eu, com todo meu sadismo, gostaria de ver.
Ultrapassando os filetes do tempo o Homem do tempo foi embora levando consigo seu grande relógio de ponteiros velhos. Inácio parou e pensou por alguns segundos, depois lembrou que seu tempo estava passando e resolveu parar de pensar, para poder viver.