sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Triste fim...

Dezoito filhos, começa a loucura. Como buscar o alimento de todos eles?

"Hora de ir para a selva e correr o risco de morrer em meio a imensidão de monstros".

Ela caminha sem direção sendo levada pelo extinto. Sente apenas o aroma da refeição e seguindo os sentimentos mais vorazes vai atrás da sobrevivência.

Sai da pequena casa úmida e jogada ao relento. Escura, sofrida.

Escala montanhas e desvia de animais que adorariam devorá-la, por mais nojenta que possa parecer para nós.

Os obstáculos são tamanhos e tantos, mas as dezoito pequenas bocas sedentas por comida não a deixam desistir facilmente.

Desvia de grandes monstros que emanam vento, passa correndo por portais gigantes que quase a mataram. Ela continua. Não vai parar depois de ir tão longe.

Enxerga a sua frente uma pequena sacola aberta... Os restos de comida estão evidentes. É tudo o que ela precisa para alimentar toda a família, pensa em chamar os filhos, mas antes precisa ter a certeza de que o dono, que deixou aquela comida jogada, não vai voltar para protestar a posse.

Sofia olha para ela. Sente um asco que começa na coluna e se espalha até os braços. Os pelos arrepiam na medida que seu nojo aumenta.

Saca um chinelo, olha para aquela barata nojenta e resolve atacar. "Hora de acabar com este animal nojento".

A cada nova chinelada um grito, a barata desnorteada e com um pouco de comida na boca, corre, para tentar se salvar.

Mais uma chinelada, desta vez certeira. A barata sente o baque. Fica de costas, sofrendo. Enquanto aguarda o golpe de misericórdia pensa nos filhos.

Mais uma chinelada. Sofia atordoada chama pelo marido. Ele vem, para levar o animal embora e joga-lo privada abaixo.

Dezoito filhos órfãos vagam agora pela mesma selva, em busca da mesma comida desperdiçada, com a certeza de que serão esmagados pelo simples nojo daqueles que desperdiçam a comida e são a razão deles existirem.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Quem são os bichos?

Olhos vivos e límpidos, pedindo aprovação.

Um azul cativante, com listras esverdeadas.

Não se tratavam de olhos, mas de obras de arte. 

Mas como um quadro pendurado numa parede rachada, tais olhos estavam num rosto sujo, maltratado pelo tempo.

Destruídos pela vida, enlameados, sem sentimento. Eram olhos de fundos vermelhos.

Vermelhos de sofreguidão, vermelhos de dor, sem nenhuma paixão.

Vi estes olhos na cracolândia, num jovem rapaz. Que pedia uma moeda para poder sustentar o vício.

Trata-se de um de nós, vi o humano no bicho, tragado pela droga, vendido para o mal, jogado na sarjeta.

Lembro-me do que disse um morador de rua, numa matéria que eu fiz:

"O crack é o pão do inferno, feito com a farinha do mal, com muito açúcar para ficar gostoso, amaçado pelo capeta. Quando você fuma, alcança o céu em dez segundos e o inferno para o resto do dia até conseguir uma nova pedra".

Como lidar com o crack? Matar estes usuários moradores de rua, bater, humilhar?

Tudo isso já foi tentado e nem mesmo o carinho truculento oferecido pela PM surtiu efeito.

Nem mesmo a psicopoliticologia de jogar para baixo do tapete deu certo.

O projeto de "Braços Abertos" dará certo?

Sinceramente as chances são mínimas, mas algo me fez ter esperanças, assim como os olhos lindos daquele pobre usuário, o projeto faz com que se enxergue o humano, além do bicho. O ser além do zumbi.

Pois, por traz deste usuário existe um ser humano doente de idéias e de alma. Um homem, ou mulher triste e sem esperanças.

Ninguém quer ser um drogado, ninguém quer viver no vício. Trata-se apenas de uma lacuna preenchida no espaço vazio deixado pela vida, pela sociedade, por nós.

Matar, prender, bater no usuário é o mesmo que cortar a macieira por conta de uma maça com praga, onde se abre mão do todo para não ter o trabalho de resolver o problema.

Devemos olhar no fundo dos olhos destes usuários, enxergar os humanos e lutar contra a droga, não contra as pessoas, pois ao desumanizar um doente, nos tornamos mais doentes do que eles.