sábado, 27 de setembro de 2008

O jogo(*)

O tempo parece não passar, 15 minutos são uma eternidade, a cada instante sinto a temperatura do meu corpo aumentar. Não sei mais se vou suportar a pressão do meu coração, que pede para que eu feche os olhos e não veja mais o que se passa na minha frente.

Faltavam apenas 15 minutos para que acontecesse mais um daqueles milagres que só o futebol nos proporciona. O time considerado favorito, invicto no campeonato e com jogadores mais badalados perdia em uma manhã chuvosa, para o até então desacreditado time local, formado por atletas que recebiam a segunda chance no futebol e eram treinados por um perna-de-pau de 17 anos.

Naquela manhã, o recém criado SE União Náutica, treinado por mim enfrentava o todo poderoso SE Vila Fátima pelas semi-finais do primeiro Campeonato Metropolitano de Futebol Amador.

Em suas primeiras cinco partidas o Fátima ganhou quatro e empatou uma, marcou 13 gols e sofreu apenas dois. Já o União Náutica ganhou três perdeu uma e empatou outra, marcou 11 gols e sofreu sete.

Apesar de confiar no time que treinava e que foi ganhando corpo no decorrer do campeonato, era difícil para alguém crer numa vitória do União Náutica. Nem eu acreditava, mas não demonstrei isso a nenhum dos jogadores.

Senti então que era o momento de buscar o algo a mais. Só com futebol não poderíamos ganhar. E ao ver o riso dos adversários percebi uma chance de vitória...

Olhando para cada jogador observei o medo, a incerteza e percebi que deveria mudar isso de alguma forma, foi então que comecei a falar:

"Todos que aqui estão passaram por várias dificuldades, assim como eu também passei. Eles (jogadores do Fátima), estão rindo de vocês e de mim. Estão dizendo que já estão na final e reclamam de ter que jogar na chuva um jogo ganho. Não sei quanto a vocês, mas eu já cansei de ser piada no futebol, vocês também já devem estar cansados de serem menosprezados e humilhados, chegou a hora de mostrarem que em campo somos todos iguais e que eles cometeram um grande erro hoje!"

Nunca vi em toda minha vida tanta vontade no olhar de um time. Até eu a partir de então passei a acreditar na vitória!

Times em campo

Começa o jogo, e já no primeiro lance o Fátima parte para o ataque, em uma jogada rápida, os dois atacantes do Santos FC que jogavam pelo adversário tabelaram e chegaram de frente para o gol, mas Cláudio o goleiro até então inseguro se transformou em um gigante e defendeu de maneira brilhante o primeiro lance do jogo.

A pressão do Fátima diminuiu. A partir daí os guerreiros do União equilibraram o jogo e os ataques passaram a ser alternados. Meu coração já saia pela boca e percebi que não tinha mais voz. Logo o primeiro tempo acabava.

O intervalo passou de maneira rápida e o jogo logo recomeçou

Nada de água, nada de descanso, o time do União esperou de pé e os jogadores pediam apenas para recomeçar a partida. O desespero estava visível no olhar dos jogadores do Fátima, que não conseguiam impor o melhor futebol deles em campo.

O Fátima entrou em campo tentando acabar com o jogo, em ataques rápidos assustavam a meta do União, mas de forma heróica o time se defendia. Passaram-se 20 minutos, o técnico do Fátima esbanjando confiança na vitória, mandou desmarcarem o atacante Danilo e partirem para o ataque. Triste erro...

Danilo viu a forma como o técnico do time adversário se referiu a ele e transformou a raiva em futebol. Numa arrancada de contra-ataque do meia Iran, Danilo foi lançado de maneira brilhante pelo meia (nem eu acreditava no que via).

O atacante expulso de outros times por indisciplina, correu mais que a zaga, viu o goleiro adiantado e chutou por cobertura... Por capricho ou mero acaso do destino a bola subiu e beijou a trave, antes de entrar no gol!

Um a Zero União, o grito de gol tomava conta do lugar, perdi o equilíbrio e fui abraçado pelo amigo e autor do gol. A partir de então começava outro jogo e as emoções ainda aumentariam.
A torcida do Fátima pressionou o juiz e foram dados 10 minutos de acréscimo. A pressão era grande, a adrenalina estava alta e o capitão do União foi expulso após confusão, mas não tinha jeito a vitória era só questão de tempo.

Um último lance o atacante do Fátima dribla o goleiro e sem angulo chuta por cobertura, a bola bate na trave e vai para fora. O apito, o fim e a glória. Sim era possível.

Essa foi mais do que uma simples partida de futebol. Foi um jogo que representou muito para cada um dos seus participantes. Para mim foi uma vitória da qual precisava para ganhar confiança na vida, para os jogadores foi a segunda chance tão esperada, para os adversários uma lição de humildade. Mas tenho a certeza de que para todos foi inesquecível.


(*) Dedicado a todos aqueles que um dia foram menosprezados, mostraram que eram mais do que pensavam deles e deram a volta por cima.

sábado, 20 de setembro de 2008

Heróis(*)

Sempre fico indignado com a situação da sociedade, com a falta de amor, com a falta de esperança, mas aos poucos a humanidade prova que na mesma intensidade que produz seres odiosos, indignos do ar que respiram, produz também seres à frente do seu tempo, verdadeiros heróis.

Pude, com a ajuda de amigos que cobriram o caso, conhecer de perto a história do surfista Tony Andreo Villela, que perdeu a própria vida após salvar duas pessoas que se afogavam em meio ao mar revolto do Guarujá.

Os heróis são aqueles capazes de ir onde ninguém tem coragem, de lutar além de suas forças simplesmente para fazer o que julgam correto.
Sim, os heróis dão a própria vida se preciso para realizarem o que almejam.

Villela entrou no mar, em um momento que os próprios salva-vidas julgaram "imprudente", em um mar completamente descontrolado, próximo às pedras, onde era exalada a força da natureza por meio do que os gregos chamariam de ódio de Poseidon.
Mas o que é imprudente para um herói, quando se trata de salvar uma vida?

O surfista de 32 anos que, em 2000, trabalhou como salva-vidas temporário, desafiou o próprio medo e entrou no mar com uma prancha sem parafina e sem cordinha de proteção, para tentar salvar quatro surfistas paulistanos que mesmo contra a advertência dos locais insistiram em entrar no mar.

Dois desses surfistas conseguiram sair sozinhos do perigo, outros dois foram carregados por Villela até um local seguro e também conseguiram sobreviver...

O preço

Ao contrário do que muitos possam imaginar, os heróis não são imortais. Eles pagam o preço de suas bravuras, muitas vezes com a própria vida. Ao tentar voltar à praia, o surfista foi engolido por uma onda que o afogou.

As ondas que sempre foram dominadas pelo amante do mar, quando surfava entusiasmado na praia em que nasceu, foram as responsáveis por tomar a sua vida após o ato de bravura.

Valeu?

Villela era pai de uma filha de 12 anos, não conhecia nenhum dos quatro surfistas que tentou ajudar e sempre foi um apaixonado pela praia onde desde a infância surfou. Existem momentos em nossas vidas que apenas uma escolha pode mudar todo o restante da trajetória.

Já vi casos de pessoas honradas que viveram a vida inteira sem ter feito algo realmente marcante, do qual pudessem se orgulhar e servir de exemplo aos outros.

Talvez para essas pessoas, oportunidades como essa tenham aparecido, mas simplesmente pensaram com a prudência e não com o coração como fazem os heróis.

Villela morreu e, com toda certeza, sua família está entristecida com esse fato, mas ao mesmo tempo se orgulha de ter criado um verdadeiro herói. O surfista teve na sua frente uma oportunidade única de fazer o que a razão lhe aconselhava ou, simplesmente, fazer o que seu coração de herói mandava.

Ah, sem dúvida como pudemos observar nosso amigo (tomo essa liberdade devido a admiração que criei por ele) provou que realmente é um herói que está acima de todos nós, pois abriu mão da própria vida para fazer o que julgava certo.

Quantos de nós faríamos o mesmo?
Quantos pensaríamos com o coração?
Só o tempo poderá dizer...

Mas a nós simples mortais resta-nos exaltarmos a ação de Villela e contarmos sua história a todos que conhecemos, para que ela se torne eterna.

(*) Dedico esta crônica a todos os heróis de nossa sociedade.
Todos aqueles que ao menos uma vez na vida pensaram com o coração!

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Frio no Litoral (*)

Quinze graus marca o termômetro da praia, as pessoas passam como o tempo, sem pedir licença, também sem pedir permissão vivem às sombras da sociedade os excluídos urbanos, clamando por um pão, tremendo de frio e envergonhados da própria existência.
"Não tenho culpa de existir, deve clamar um desses sofredores", tentando apenas sobreviver ao calvário que lhe foi imposto ao nascer.
No Gonzaga, dentre as pernas que passam acima de quem se deita no chão estão estes sofredores deitados no frio, saboreando a própria dor e conformados, resignados com o destino...
Por que tantos sofrem? - Já me perguntei diversas vezes sem obter respostas.
Lembro-me do dia mais frio da minha vida...
Uma reportagem no Guarujá, Bairro do Canta Galo, no carro o frio tomava conta do meu corpo, sentia uma dor imensa na garganta e percebia que a gripe seria inevitável. Belo primeiro dia de inverno! - menos de 10 graus e chuva insistente (pensei).
Fomos chegando ao destino da matéria.
- O Bairro é muito pobre? - perguntei ao motorista, que me fazia companhia juntamente com a fotógrafa.
- Um dos mais esquecidos da Cidade... - respondeu
O asfalto acabava, ao mesmo tempo em que a lama aumentava.

Acabou o asfalto começou a lama de vez.

Barracos mal acabados dividiam espaço, com olhares que traziam medo e sofrimento.
Antes mesmo de parar o carro fomos cercados por moradores que pediam que ajudássemos... Cena de terror que jamais esquecerei...
A Polícia cumpria ordem judicial e expulsava famílias de seus barracos em pleno dia de chuva, crianças estavam abrigadas em pedaços de telha, mulheres choravam e alguns homens tentavam impedir o inevitável...
Não demorou para que um homem entrasse em confronto com a polícia, sangue, cassetete, grito, dor...
A polícia conteve o rapaz em pouco tempo, que foi levado para o atendimento médico no Hospital Santo Amaro juntamente com um dos policiais feridos no confronto.
Uma corda separava os barracos que seriam derrubados, já passava das 14h30, a derrubada começou as 7 horas.

Decisão judicial se cumpre e não se contesta

Era obrigação dos PMs derrubar os barracos, podia ver no rosto de alguns muito sofrimento por terem que tirar a casa de pessoas, numa noite fria e chuvosa. No entanto, há sempre aqueles que se divertem com o sofrimento alheio...
Nervosa com a demora para que a ordem judicial fosse cumprida, uma advogada pedia rapidez aos policiais, que aguardavam pacientemente, o dono de um dos barracos retirar seus poucos móveis de dentro do local.
Mediante a tanta dor, a mulher juntamente com outro policial se divertia, ao falar que encontraram galinhas dentro de um barraco.
- Galinhas criadas por porcos - disse ela caindo aos risos ao lado do policial que também ria e satirizava a situação dos futuros desabrigados.
Sim, decisão judicial se cumpre e não se contesta, mas para tudo existe humanismo...

Justiça?

Nove barracos derrubados... famílias jogadas a Rua e o dono do terreno pode ter sua posse re-apropriada.
Justiça!
Foi cumprida a ordem judicial...
Onde ficarão as famílias?
Onde dormirão nas noites frias?
Talvez num albergue, num abrigo, ou na rua do Gonzaga, onde caminhava numa dessas noites frias para fotografar.
Creio em Deus e numa justiça divina, mas a cada vez que presencio coisas como a que descrevi anteriormente algo perturba meu coração... Tremo de indignação, assim como diversos companheiros, choro como chorei naquele dia... Tamanha dor, tanto sofrimento...
O que algumas pessoas fizeram de errado? Nasceram?

(*) Para todos aqueles que sentiram na pele o frio da indignação...

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Espera na rodoviária... (*)

Diante da velocidade da vida e da necessidade de sempre correr para fazer algo, damos pouco valor aos instantes livres, aos momentos de contemplação, como por exemplo, os minutos em que esperamos um ônibus.

Todos os momentos da vida têm poesia, mas dependem muito do olhar de quem os vive. Neste mês, passei alguns dias na rodoviária de Santos e em pouco tempo fiquei impressionado com a quantidade de histórias marcantes e cenas diferentes que presenciei. O relato a seguir trata de um desses dias.

Um casal de aproximadamente 50 anos andava pela rodoviária. O homem olhava ao seu redor como se estivesse perdido. Sua mulher, ao lado, tocava em seu braço e pedia para que ele se acalmasse.Sozinho e sabendo que ainda esperaria ao menos mais uma hora, fui ao encontro do casal e perguntei se poderia ajudar.

- Meu filho, você sabe qual a plataforma do ônibus que vai para Belo Horizonte? – disse o senhor.
- Estou com medo que o meu ônibus tenha partido.
- Você pode ler meu bilhete? - pediu a mulher, logo em seguida repreendida pelo marido.
- Claro! Aqui diz que é na plataforma seis, às 18h30. Agora são 18 horas, a plataforma seis é aquela - expliquei, apontando para o local.

A mulher, então, tocou meu braço e agradeceu. O senhor, ainda irritado com o pedido da esposa que, sem querer, expôs seu analfabetismo, seguiu sem dizer mais nada.Logo voltei à plataforma nove e segui na minha espera.

Do banco onde estava, podia observar outra cena curiosa: uma mulher e um menino de aproximadamente seis anos desciam de um ônibus vindo do Nordeste, na plataforma três.

O menino parecia surpreendido com o que via ao seu redor. Olhava para todos os lados e o brilho no seu olhar era evidente. Eu, no alto da minha curiosidade, queria ao menos por um segundo saber o que se passava naquela cabecinha, quantos sonhos, medos e esperanças se passavam a cada segundo.

A mãe do menino carregava três malas e trazia em sua face o sofrimento, característica do rosto das mães brasileiras que lutam pela felicidade do filho. Em poucos minutos me emocionei.O menino puxou a mãe pela perna e se escondeu entre elas, deixando claro o seu medo.

Logo ambos partiram da rodoviária.Atônito e ansioso, eu olhava para o meu relógio, 18h50, e nada do ônibus.Abri uma revista e tentei começar a ler. Foi quando uma senhora idosa sentou ao meu lado e passou a olhar insistentemente para mim.

Ela quer conversar, logo pensei...

- Já passou o Ponta da Praia? – disse ela.
- Não vi.
- Ai, meu Deus, perdi o ônibus de novo. Não acredito!
- Calma, senhora, logo passa outro.

Conversei com ela até que seu ônibus passasse e ouvi histórias tão boas que precisaria de ao menos três páginas para relatar uma.

19h20 minutos, o ônibus não chega...

Eis que vejo um ônibus aparecer na frente da rodoviária. Levanto-me e olho mais à frente.Sim, acho que é ele! Pego minha única mala e coloco nas costas, meus capacetes ficam nos braços. O ônibus pára e espero todos descerem até enxergar o rosto dela.

Sim, é ela...

Também tenho minha história de rodoviária. Passei cerca de uma hora e meia esperando minha namorada que vinha de São Paulo.Eu a abracei e a beijei como se fosse um último reencontro, mas sabia que no outro dia a rotina se repetiria.

Todos os lugares guardam histórias marcantes e personagens da vida.
Acredito que talvez nunca mais veja alguns desses personagens. Mas de um jeito ou de outro eles fizeram parte de minha vida.

(*) Esta crônica é dedicada à pessoa que me fez olhar o mundo de outra maneira e enxergar cada segundo como sendo especial. Como você vê, ganhei mais uma leitora, minha namorada Ariany. Agora tenho quatro leitores... Pela ordem: ela, minha mãe, a professora que me agüenta há uns três anos escrevendo essas doideiras, e meu professor que também é maluco para ler isso até o final! Poucos cronistas podem dizer que conhecem os leitores pelo nome...