Diante da velocidade da vida e da necessidade de sempre correr para fazer algo, damos pouco valor aos instantes livres, aos momentos de contemplação, como por exemplo, os minutos em que esperamos um ônibus.
Todos os momentos da vida têm poesia, mas dependem muito do olhar de quem os vive. Neste mês, passei alguns dias na rodoviária de Santos e em pouco tempo fiquei impressionado com a quantidade de histórias marcantes e cenas diferentes que presenciei. O relato a seguir trata de um desses dias.
Um casal de aproximadamente 50 anos andava pela rodoviária. O homem olhava ao seu redor como se estivesse perdido. Sua mulher, ao lado, tocava em seu braço e pedia para que ele se acalmasse.Sozinho e sabendo que ainda esperaria ao menos mais uma hora, fui ao encontro do casal e perguntei se poderia ajudar.
- Meu filho, você sabe qual a plataforma do ônibus que vai para Belo Horizonte? – disse o senhor.
- Estou com medo que o meu ônibus tenha partido.
- Você pode ler meu bilhete? - pediu a mulher, logo em seguida repreendida pelo marido.
- Claro! Aqui diz que é na plataforma seis, às 18h30. Agora são 18 horas, a plataforma seis é aquela - expliquei, apontando para o local.
A mulher, então, tocou meu braço e agradeceu. O senhor, ainda irritado com o pedido da esposa que, sem querer, expôs seu analfabetismo, seguiu sem dizer mais nada.Logo voltei à plataforma nove e segui na minha espera.
Do banco onde estava, podia observar outra cena curiosa: uma mulher e um menino de aproximadamente seis anos desciam de um ônibus vindo do Nordeste, na plataforma três.
O menino parecia surpreendido com o que via ao seu redor. Olhava para todos os lados e o brilho no seu olhar era evidente. Eu, no alto da minha curiosidade, queria ao menos por um segundo saber o que se passava naquela cabecinha, quantos sonhos, medos e esperanças se passavam a cada segundo.
A mãe do menino carregava três malas e trazia em sua face o sofrimento, característica do rosto das mães brasileiras que lutam pela felicidade do filho. Em poucos minutos me emocionei.O menino puxou a mãe pela perna e se escondeu entre elas, deixando claro o seu medo.
Logo ambos partiram da rodoviária.Atônito e ansioso, eu olhava para o meu relógio, 18h50, e nada do ônibus.Abri uma revista e tentei começar a ler. Foi quando uma senhora idosa sentou ao meu lado e passou a olhar insistentemente para mim.
Ela quer conversar, logo pensei...
- Já passou o Ponta da Praia? – disse ela.
- Não vi.
- Ai, meu Deus, perdi o ônibus de novo. Não acredito!
- Calma, senhora, logo passa outro.
Conversei com ela até que seu ônibus passasse e ouvi histórias tão boas que precisaria de ao menos três páginas para relatar uma.
19h20 minutos, o ônibus não chega...
Eis que vejo um ônibus aparecer na frente da rodoviária. Levanto-me e olho mais à frente.Sim, acho que é ele! Pego minha única mala e coloco nas costas, meus capacetes ficam nos braços. O ônibus pára e espero todos descerem até enxergar o rosto dela.
Sim, é ela...
Também tenho minha história de rodoviária. Passei cerca de uma hora e meia esperando minha namorada que vinha de São Paulo.Eu a abracei e a beijei como se fosse um último reencontro, mas sabia que no outro dia a rotina se repetiria.
Todos os lugares guardam histórias marcantes e personagens da vida.
Acredito que talvez nunca mais veja alguns desses personagens. Mas de um jeito ou de outro eles fizeram parte de minha vida.
(*) Esta crônica é dedicada à pessoa que me fez olhar o mundo de outra maneira e enxergar cada segundo como sendo especial. Como você vê, ganhei mais uma leitora, minha namorada Ariany. Agora tenho quatro leitores... Pela ordem: ela, minha mãe, a professora que me agüenta há uns três anos escrevendo essas doideiras, e meu professor que também é maluco para ler isso até o final! Poucos cronistas podem dizer que conhecem os leitores pelo nome...
Nenhum comentário:
Postar um comentário