quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Quem diria... (*)

Rafael acorda mais um dia no apartamento de cerca de R$1 milhão, toma um banho de banheira aquecida, dá um beijo na esposa e no filhinho. Após um café demorado na sala de jantar, segue o caminho do elevador até o estacionamento.

Rufino acorda mais um dia no barraco onde mora, olha com tristeza para o quarto alagado na última ressaca. Toma um banho rápido do chuveiro aquecido com um gato. Beija a mulher e os cinco filhos. Engole rapidamente o pão amanhecido e corre entre as palafitas para chegar até o terminal de catraias.

Rafael pega o Audi na garagem e dirige tranqüilamente até o escritório onde trabalha no centro de Santos.

Rufino desce apressado da catraia e suspira de alívio ao perceber que não está atrasado. Na sua mochila traz a marmita e cinco reis (única verba do nosso amigo). Corre para o ponto de ônibus.

Rafael entra no prédio de comércio exterior que trabalha, sobe de elevador até a sala (presidência) e se joga na cadeira antes de ligar o ar condicionado com o controle remoto.

Rufino finalmente desce do ônibus corre até o prédio de comércio exterior onde trabalha, sobe pela escada de serviço até a zeladoria e veste o macacão de serviço rapidamente. O chefe de Rufino nota o atraso e não o poupa da bronca.

Rafael olha no computador quais os afazeres do dia e em meio a preocupação não nota o cumprimento do rapaz que varre o chão da sala.

Rufino entra na sala da presidência varre o chão e dá um sorriso sem graça por não ter o cumprimento correspondido pelo presidente da empresa.

Hora do almoço...
Rafael almoça num fino restaurante, em companhia de uma das executivas da empresa (dez anos mais jovem) com quem mantém um caso.

Rufino almoça na zeladoria, em companhia das vassouras pensando na esposa e nos filhos ao chegar em casa.

Fim do expediente...
Rafael desce da sala e pega o carro no estacionamento, o dia de trabalho foi cansativo e uma enxaqueca o incomoda enquanto enfrenta o trânsito de Santos.

Rufino desce o jogo de escadas e mesmo com todos os ossos moídos, sente-se feliz de ter terminado sem maiores problemas o dia de trabalho. Caminha lentamente até o ponto de ônibus.

Uma hora depois...
Rafael chega em casa reclamando da incrível demora do trânsito da Cidade e bradando a sua mulher as dificuldades do trabalho.

Rufino em fim pega o ônibus e dorme no caminho do terminal de catraias.

21 horas...
Rafael olha pela janela e indignado afirma:
- Como pode uma favela estar na frente da minha cobertura? Isso atrapalha a minha visão do mar...

Rufino diz para a companheira que a ama. Olha pela janela e antes de fechá-la com um pedaço de madeira, conversa com sua amada:
- Amor, meu chefe é meu vizinho.

Isso é Brasil...

(*) A conto anterior é descrito com personagens fictícios, mas com cenário real, o apartamento descrito, fica na Ponta da Praia (paraíso santista da desenfreada especulação imobiliária). Já o barraco citado fica em Santa Cruz dos Navegantes (comunidade guarujaense, composta principalmente de pescadores, dividida entre palafitas e casas humildes, que carece inclusive de saneamento básico). O curioso é que um lugar fica de frente para o outro separado apenas por cerca de um quilômetros de Atlântico.

Para que diploma?(*)

Nossos amigos do Supremo deram uma grande idéia:
Vamos acabar com o diploma de jornalismo!

Afinal uma profissão que pode interferir diretamente na vida de uma (ou várias pessoas), que pode ser utilizada com ética (ou sem, afinal uma profissão não regulamentada não necessita de um código de ética), não necessita obviamente de diploma.

Mas deixo também uma sugestão (reforçando, sugestão. Pois de maneira alguma estou me considerando um jurista, pois não tenho o mesmo conhecimento técnico de qualquer um dos excelentíssimos senhores ministros do Supremo, que acredito, tomam suas decisões baseadas nestes conhecimentos, sem a menor interferência das elites brasileiras).

Eis a sugestão:
Por que não liberamos tudo de vez?
Afinal qual a importância de uma qualificação superior para o exercício de uma profissão?

Para alguns excelentíssimos senhores (reparou na elegância do termo), não há a menor necessidade de um diploma para o exercício da profissão de jornalismo. Não vou criticá-los, de maneira alguma.
Mas vamos liberar de vez:

- Também não é necessário ter diploma para fazer uma petição;
- Para fazer uma defesa no tribunal;
- Para erguer uma construção;
- Para fazer uma cirurgia;
- Dentre tantas outras coisas que exigem o maldito canudo...

Neste momento o jurista querido (digo doutor), me dirá:

- Mas isso envolve vidas...

E eu devolverei:

- Então quer dizer que o jornalismo não envolve?
- Quantas vidas podem estar na mão de pessoas desqualificadas devido a esta medida que vocês votarão?

Ele no alto de sua pose (afinal ele é doutor, sem ter sido mestre):

- Mas muitos dos profissionais formados em jornalismo agem sem ética.

Já cansado ponderarei:

- Pois bem "doutor", ou "ministro", em uma profissão que exige não só diploma, como também prova de ordem você encontra casos de falta de ética?

Caro amigo agora meu espírito anarquista começa a falar mais alto! Liberando o diploma de jornalismo abriremos o que os "doutores" chamam de "jurisprudência" (novamente repare na pompa da palavra, é chique né?), sendo assim poderemos liberar o diploma para advogados, para arquitetos, engenheiros, médicos, cirurgiões dentistas, entre outros tantos...

E se pensarmos eles estão com a razão... Para que estudar, no país da ignorância e dos interesses?

(*) Relato emocionado (indignado), de um mero estudante do terceiro ano de jornalismo.