segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Frio no Litoral (*)

Quinze graus marca o termômetro da praia, as pessoas passam como o tempo, sem pedir licença, também sem pedir permissão vivem às sombras da sociedade os excluídos urbanos, clamando por um pão, tremendo de frio e envergonhados da própria existência.
"Não tenho culpa de existir, deve clamar um desses sofredores", tentando apenas sobreviver ao calvário que lhe foi imposto ao nascer.
No Gonzaga, dentre as pernas que passam acima de quem se deita no chão estão estes sofredores deitados no frio, saboreando a própria dor e conformados, resignados com o destino...
Por que tantos sofrem? - Já me perguntei diversas vezes sem obter respostas.
Lembro-me do dia mais frio da minha vida...
Uma reportagem no Guarujá, Bairro do Canta Galo, no carro o frio tomava conta do meu corpo, sentia uma dor imensa na garganta e percebia que a gripe seria inevitável. Belo primeiro dia de inverno! - menos de 10 graus e chuva insistente (pensei).
Fomos chegando ao destino da matéria.
- O Bairro é muito pobre? - perguntei ao motorista, que me fazia companhia juntamente com a fotógrafa.
- Um dos mais esquecidos da Cidade... - respondeu
O asfalto acabava, ao mesmo tempo em que a lama aumentava.

Acabou o asfalto começou a lama de vez.

Barracos mal acabados dividiam espaço, com olhares que traziam medo e sofrimento.
Antes mesmo de parar o carro fomos cercados por moradores que pediam que ajudássemos... Cena de terror que jamais esquecerei...
A Polícia cumpria ordem judicial e expulsava famílias de seus barracos em pleno dia de chuva, crianças estavam abrigadas em pedaços de telha, mulheres choravam e alguns homens tentavam impedir o inevitável...
Não demorou para que um homem entrasse em confronto com a polícia, sangue, cassetete, grito, dor...
A polícia conteve o rapaz em pouco tempo, que foi levado para o atendimento médico no Hospital Santo Amaro juntamente com um dos policiais feridos no confronto.
Uma corda separava os barracos que seriam derrubados, já passava das 14h30, a derrubada começou as 7 horas.

Decisão judicial se cumpre e não se contesta

Era obrigação dos PMs derrubar os barracos, podia ver no rosto de alguns muito sofrimento por terem que tirar a casa de pessoas, numa noite fria e chuvosa. No entanto, há sempre aqueles que se divertem com o sofrimento alheio...
Nervosa com a demora para que a ordem judicial fosse cumprida, uma advogada pedia rapidez aos policiais, que aguardavam pacientemente, o dono de um dos barracos retirar seus poucos móveis de dentro do local.
Mediante a tanta dor, a mulher juntamente com outro policial se divertia, ao falar que encontraram galinhas dentro de um barraco.
- Galinhas criadas por porcos - disse ela caindo aos risos ao lado do policial que também ria e satirizava a situação dos futuros desabrigados.
Sim, decisão judicial se cumpre e não se contesta, mas para tudo existe humanismo...

Justiça?

Nove barracos derrubados... famílias jogadas a Rua e o dono do terreno pode ter sua posse re-apropriada.
Justiça!
Foi cumprida a ordem judicial...
Onde ficarão as famílias?
Onde dormirão nas noites frias?
Talvez num albergue, num abrigo, ou na rua do Gonzaga, onde caminhava numa dessas noites frias para fotografar.
Creio em Deus e numa justiça divina, mas a cada vez que presencio coisas como a que descrevi anteriormente algo perturba meu coração... Tremo de indignação, assim como diversos companheiros, choro como chorei naquele dia... Tamanha dor, tanto sofrimento...
O que algumas pessoas fizeram de errado? Nasceram?

(*) Para todos aqueles que sentiram na pele o frio da indignação...

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