- E agora eles estão vindo?
- Não, ainda não...
O som de cacetetes nos escudos, parecem trovões estrondosos.
Um som bestial.
Fabiana espera apreensiva... Não sabe o que fazer, nem mesmo para onde ir.
O filho de apenas nove anos espera com medo e pergunta a todo momento se eles já estão vindo.
Um vizinho mais estourado, joga o primeiro coquetel molotov.
O estampido da explosão é seguido de batidas mais aceleradas... A tensão aumenta.
Sargento Jorge Silva caminha do lado oposto. A seriedade militar do sargento Silva é inabalável, mas o Jorginho, nascido e criado na favela se sente tocado. Troca de lugar com os moradores.
Muitos PMs sentem no coração a mesma dor... mas hoje não tem Jorginho, Maicon ou Cleiton.
Hoje existem apenas patentes da maquina do Estado em busca de cumprir uma ordem judicial.
Hoje não tem sorriso, hoje não tem compaixão.
Na sala de casa, Alberto Medeiros, dono dos terrenos, sorri. Finalmente tomará o que é dele de direito. Ficou 30 anos parado. Até invadirem, mas é dele.
Carlos Manfredini, o juiz que deu a ordem de despejo, toma um copo de café, na padaria que frequenta no Jardins... Nem pensa mais na decisão tomada no dia anterior. Foram tantas...
Fabiana abraça Joaquim que grita. As bombas explodem... e hora de correr. Sargento Silva fraqueja, toma uma pedrada e sangra. O sangue assusta, incendeia. Ele levanta com ódio. "E hora de descer o pau".
As famílias correm. As crianças choram. Os idosos parecem perdidos em meio ao caos.
Quarenta minutos de ação. Seis feridos, entre eles um policial. 200 famílias sem casa. Reintegração completa.
O Estado oferece para estas famílias um auxílio aluguel, albergues aos montes. A dignidade é esquecida. O direito a moradia ignorado.
Mais uma manhã qualquer na cidade de São Paulo. Mais uma luta de povo contra povo.
Neste momento Milton Aguilar olha para a assessora Myrtes.
- Alguma novidade?
- Moradores de uma comunidade retomada pelo dono querem falar com o senhor. Dizem que há dez anos enquanto era vereador o senhor disse que poderiam ficar, que resolveria tudo e daria a posse da casa para eles.
- Pobre adora mentir. Agenda com dois deles para segunda que vem, esta semana não tenho tempo para "papagaiadas"...
Espaço livre para um jornalista em plena ebulição de pensamento escrever o que bem entende!
quarta-feira, 9 de abril de 2014
Dia qualquer
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