Carlos desceu da moto com as botas sujas da areia seca do sertão.
Queria ver de perto aquilo que o cercava. Moto parada no descanso, no canto do acostamento.
Ao redor o som sombrio do vazio causado pela fome. Na frente dele barracas... muitas barracas. Eram como tendas de um coro tão seco que estava prestes a rasgar.
Em cada barraca uma pessoa estendia as mãos em busca de uma moeda. Em busca de uma migalha.
O rosto daquela mulher impressionava. Era o rosto de sofrimento, de dor.
A fome não é uma realidade distante. A miséria é um mal muito próximo.
Numa barraca mais a frente três crianças. Todas com o semblante da falta de esperança.
A moto balança devido ao vento causado pelo caminhão que acabou de passar. O vento é seco, como o dia, como o futuro daquelas pessoas.
Na beira da estrada, um exército de pedintes. Um grupo de pessoas clamando por ajuda.
A estrada continua. Mas Carlos levará consigo na memória um pouco do chão seco daquela terra.
Sobe na moto e olha o painel. Pouca gasolina. Muito a percorrer. Deixa a bolacha e a garrafa de água que guardava na mochila e parte.
Caminhões param e deixam comida, água, dinheiro...
Mais a frente uma fazenda, o gado magro é o anúncio da morte proxima. O sertanejo senta diante do sol, próximo a cerca. Contempla a miséria que lhe espera.
De repente o inesperado. Carlos se assusta.
As gotas começam a cair. O chão recebe cada gota como o fruto da esperança. Carlos para a moto novamente. Olha pra trás e contempla a gritaria, criancas antes amoadas, pulam e sorriem...
Sorriso puro e inocente, lágrimas do céu que se transformam em pranto... cai mais chuva... o sertanejo se levanta. Olha pra cima parece ainda não acreditar.
Carlos fecha a viseira, ajeita a jaqueta e com as gotas de alegria batendo contra o corpo. Segue a estrada esburacada com um sorriso no rosto e mais paz no coração.