sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Dia de vendas (*)

Quem nunca foi vendedor pelo menos uma vez na vida jamais vai compreender qual o sentimento de um bom dia de vendas e nem qual a dor de um dia de prejuízo. Por isso, me dói o coração cada vez que vejo alguém que trabalha desta forma voltando para casa sem ganhar o que precisava.

O bom vendedor sofre diariamente, mas sempre em silêncio, pois não pode transparecer o que sente ao freguês. Deve trazer sempre um sorriso no rosto independente da mágoa, do medo ou mesmo desespero de um péssimo dia de vendas.

Envolver sentimentos pessoais no momento de uma venda? Jamais. Vender é algo tão intenso que por si só já envolve milhões de sentimentos e não dá espaço a nenhum outro. O vendedor se desliga do restante do mundo e passa a viver seu mundo próprio no instante do trabalho.

Aprender a conversar mentalmente consigo mesmo. Esta é uma habilidade que os vendedores autônomos conseguem desenvolver ao longo do trabalho. Devido a proximidade de si próprio e distância do restante do mundo, os vendedores acabam tendo uma grande intimidade com eles próprios (únicos confidentes do desespero ou alegria de um dia de vendas).

Nos braços três vasilhas, em cada uma nove empadas, em casa mais 16 salgados, uma certeza: na cabeça, tenho que vender todas.

De porta em porta coleciono negativas, o desespero aumenta, o tempo passa, o salgado não sai.

- Meu Deus e agora?
- Pra que o desespero? Eu vou conseguir!Respiro fundo e sigo em frente...
- Ei venha cá - me chama um senhor no bar.
- O senhor quer empadinha hoje? - pergunto.
- Tem de quê? - De frango - respondo, mesmo tendo certeza da resposta.
- Ah, queria de palmito - responde o infeliz, rindo e tirando sarro.

Nervoso com a situação de não vender bem no dia e com o sarro do pobre coitado que se aproveitou, olho nos olhos dele. Sorrio e agradeço, pouco antes de sair.

Cenas como essa são normais, infelizmente. Continuo e, já quase sem esperança, uma senhora me chama (já estava na minha segunda volta pelo bairro e não sabia para onde ir).

- É de frango, né?
- É.
- Tem quantas?
- Na vasilha tenho 27.- Quero todas.
- Mas leva se tiver mais na minha irmã que mora na esquina.

Saí sem disfarçar a alegria. Nos braços, vasilhas vazias. No rosto, o sorriso e, no peito, a tranqüilidade.

A irmã comprou todas as restantes. Quem diria? Consegui!Com o sabor do dever cumprido, regressei, mas fiz questão de passar com as vasilhas vazias em frente ao infeliz do bar...

(*) O vendedor é um trabalhador solitário que convive diariamente com a alegria do sucesso ou decepção da recusa. Um dia de vendas é um entrelaçar de sentimentos que envolve muito mais do que aparenta. Tenho orgulho de dizer fui um vendedor.

Nenhum comentário: